Viagens


Crónica da minha fabulosa viagem aos Picos de Europa e arredores...

 

Na última Quinta-feira do mês de Agosto de 2005 parti em viagem solitária na minha Honda Deauville... o destino eram os Picos de Europa, mais concretamente Potes. As paragens obrigatórias seriam em Águas Belas, no Concelho do Sabugal para passar a noite de Quinta-feira para Sexta-feira, já que saía a meio da tarde, e Mogadouro, onde tinha sido convidado para assistir às festas de Nossa Senhora do Caminho no Sábado e Domingo. A seguir vinha Potes e depois... não estava nada planeado a seguir! A vantagem de se viajar sozinho é a de poder adaptar os planos a uma só vontade (ou falta dela, às vezes)!

Levei tudo o que poderia vir a precisar espalhado por ambas as malas laterais e a topcase de 52 litros carregadas. Consegui não levar nada amarrado com elásticos.

Nas malas laterais, com as tampas maiores, levava uma tenda Quechua T2+light, algo complicada de montar mas que ocupa um espaço mínimo, um saco-cama Quechua S5 Ultralight, não tão complicado de montar (já está pronto a usar!) mas altamente compacto quando enrolado no seu saco de compressão, um lençol e um cobertor de lã polar para o saco-cama. Não levei colchão porque nos parques de campismo geralmente não há muitas pedras e não sou muito esquisito com a dureza do chão, nem almofada porque ou usava o cobertor ou o saco da roupa interior.

Levava também uma cozinha portátil que faria inveja a muito adepto da miniaturização, em que as peças maiores seriam a panela e o prato (tampa da panela) que medem 15 cm de diâmetro e levam o resto das coisas lá dentro! O fogão parece um paliteiro e os talheres algo ridículos, mas tudo altamente funcional.

Para completar o recheio das malas laterais, havia ainda um saco com roupa interior e objectos de higiene pessoal, um poncho e uma farmácia de viagem (compressas, pensos, tesoura, ligaduras e alguns analgésicos e anti-diarreicos - nunca se sabe!).

Na topcase foi um par de chinelos, um par de botas, calças, calções, fato-de-banho, 8 t-shirts, uma camisola, um casaco de lã polar, uma camisola, umas joelheiras, as luvas de inverno, um gorro, umas ceroulas de fibra polar, um livro (neste caso "The Hitchhiker's Guide to the Galaxy") e o mapa da Michelin 1:400.000 de Portugal e España de 2005, em forma de livro com plantas de cidades e tudo (altamente recomendado por montes de gente, mas especialmente por mim). Incluí também uma lanterna frontal para poder ler à noite e uma lanterna de manivela só para o caso.

Optei por levar um cantil de alumínio com água a tiracolo, com um tubinho por onde podia beber em andamento. Quando não estava a ser usada, a tetina ia presa debaixo de uma das palas dos bolsos do casaco. Assim evitava o doce sabor a mosquito esborrachado misturado com pó. Julguei que fosse incómodo, mas nem dei por ele.

No saco de depósito pequeno seguia a máquina fotográfica, as lentes amarelas dos óculos de sol, chaves de casa, bloco-notas, esferográfica, baterias e cartões de memória suplentes. Para completar o ramalhete, levava também um bastão extensível que serviria de martelo para montar a tenda ou para dar na mona de alguém que quisesse tornar seu o que era meu.

Levei um fato de duas peças Dainese em Cordura e Gore-tex, com protecção dorsal e ainda uma cinta por causa das cruzes... Os forros térmicos tanto das calças como do blusão estavam remetidos à nobre função de embrulhar a cozinha até serem necessários

Comprei recentemente uma barra de enduro para o guiador, onde posso levar um receptor GPS Garmin Map 60CS num suporte Touratech. Os suportes da Garmin não se dão bem com as vibrações de um V2... Este receptor é muito simpático e faz montes de coisas mas, mesmo assim, ainda me deixa um pouco descontente com alguns pormenores. Mais à frente elaboro um pouco mais.

Acertei a pressão dos pneus e verifiquei os níveis de óleos e água. Como ia fazer uma grande tirada de auto-estrada pus mais 2 P.S.I. em cada pneu. Perde-se um pouco de aderência mas o desgaste dos pneus é menor.

Parti de Queluz por volta das 16h30m, percorri o IC19 e a 2ª Circular e entrei na A1, onde me mantive até sair para a A23. Pude testar a ViaVerde instalada debaixo da protecção dos instrumentos. Funciona perfeitamente e é mais cómodo do que a levar sempre no braço esquerdo. E o melhor é que é invisível.

Segui pela A23 até Abrantes. Um pouco antes de Tomar comecei a ver muitos carros parados com gente sentada nos rails e a passear de um lado para o outro. Entretanto, éramos sobrevoados por dois helicópteros de combate a incêndios. A estrada estava cortada devido ao incêndio que enchia o horizonte de fumo. Fui furando. Andei cerca de um quilómetro por entre os carros parados. Quando estava a chegar à barreira foi dada ordem para avançar. Nem cheguei a parar. No sentido inverso ainda não circulava ninguém e uns quilómetros à frente estava um GNR pendurado num sinal em poses dignas de um contorcionista a indicar o percurso alternativo para contornar o troço que estava fechado.

Duas horas depois de partir estava no Centro Geodésico de Portugal, onde aproveitei para encontrar uma geocache que já me andava atravessada há uns largos meses. Depois de encontrar a errada (é uma história que já remonta a 1984) e de uma troca de mensagens com o autor da certa, lá dei com a caixa certa. Seria a primeira de várias geocaches planeadas para a viagem.

Este local é, de certa forma, especial para todos os Engenheiros Geógrafos. É claro que não podia deixar de tirar uma fotografia comemorativa da ocasião.

Voltei à estrada e retomei a A23 em Vila Velha de Ródão. Daí segui até Caria e fiz os últimos trinta quilómetros por estradas secundárias até casa. Tinha percorrido cerca de 380 quilómetros e já tinha alguns mosquitos em forma de cadáver a revestir a frente da mota, os ombros do casaco e especialmente a viseira!

Deixei parte da bagagem em casa e fui jantar ao Restaurante 2000, no Sabugal, onde comi a especialidade da casa - Bacalhau com natas. Um verdadeiro luxo de bacalhau. Tenho de lá voltar só para poder voltar a comer aquele prato!

Voltei a casa, pus a mota na garagem e fui-me deitar. Sonhei com a Terra Nova e bacalhaus esvoaçantes (será que as natas tinham alucinogéneos?)

No dia seguinte, como já não ia fazer mais auto-estrada, voltei a por a pressão dos pneus nos habituais 36/42 e parti na direcção de Pinhel, pela N324. A meio caminho passei pelas termas do Cró, onde este ano o Lés-a-Lés fez a passagem a vau do rio. Também passei a vau, mas o rio estava seco!

Antes de chegar a Pinhel fui visitar Castelo Mendo, uma das aldeias históricas de Portugal, onde pude encontrar mais uma geocache.

Continuei viagem para Norte, sempre pela N221 e passeio por Escalhão. O nome não é nada de especial, mas a terra tem uns bonitos solares na parte Norte. A igreja também tem uns pormenores interessantes mas apenas a fotografei por fora.

Até aqui apanhei sempre estradas impecáveis e limpas. A paisagem já é minha conhecida mas gosto sempre de as percorrer. O encadear de curvas nalgumas zonas e as rectas que não chegam a enfadar são uma alegria de se fazer. E o melhor é que há poucos mosquitos e ainda menos trânsito.

Antes do almoço ainda tentei encontrar mais uma geocache, mas desta vez Castelo Rodrigo ficou-se a rir para mim... não se pode encontrar todas.

Voltei à N221 e tomei a direcção de Figueira de Castelo Rodrigo. Não cheguei a parar pois tencionava só almoçar em Barca D'Alva.

A estrada entre Figueira de Castelo Rodrigo e Barca D'Alva é um espectáculo! Curvas e mais curvas sempre a descer até ao Douro. Quando as amendoeiras estiverem em flor ainda deve ser mais pitoresca aquela paisagem.

Cheguei a Barca D'Alva por volta das 13h e procurei um restaurante com sombra para parar a mota. Encontrei um mesmo em frente ao cais. O serviço não era grande coisa, mas a comida era boa, os preços melhores e sabia bem estar ao fresco. Mesmo assim, havia quem quisesse estar mais fresco ainda, pois na casa de banho dos homens dormia um cão enroscado atrás da sanita... nem com as descargas do autoclismo se mexia. Era o local mais fresco do edifício!

Parti por volta das 14h30m para o meu primeiro desvio "só por causa das curvas". Não é que a estrada até Freixo-de-Espada-à-Cinta tivesse poucas, mas troquei 16 km de curvas largas por 50km de estrada de montanha e menos trânsito que Marte às 4 da manhã. Atravessei a fronteira a Sul do Douro e segui até Hinojosa de Duero. É uma terra com pouco que ver, à excepção de uma igreja que fecha para a siesta, pelo que só a vi por fora... Para lá chegar, percorri as primeiras centenas de metros em terra batida. Julgava eu que seriam os últimos.

Depois rumei em direcção ao Salto de Saucelle, por uma estrada fantástica, acabada de ser reparada. Ainda lhe faltavam as marcações e a sinalização vertical, mas não tinha buracos. Nas curvas ainda havia um pouco de gravilha mas, como não havia absolutamente nenhuma protecção entre a estrada e o valente tombo até lá abaixo nem o traçado se prestava a grandes aventuras, não houve problemas nem escorregadelas. Vi muitos abutres a gozar as correntes ascendentes e fiquei com uma imensa vontade de experimentar fazer parapente...

Depois de muitas paragens para fotografias, voltei a atravessar a fronteira para terras lusas na barragem de Saucelle. Ao contrário do que seria de esperar, a estrada portuguesa era infinitamente melhor que a espanhola. Aliás, a impressão com que fiquei foi a de que, no geral, as estradas da mesma categoria estão mais bem conservadas do lado português.

Dirigi-me para Freixo-de-Espada-à-Cinta, mas ainda fiz um novo desvio de 25 km para ir ao Penedo Durão. O Objectivo era encontrar mais uma geocache e deixar um travelbug. Aproveitava e via as vistas, que é para isso que serve o geocaching!

A vista para a barragem de Saucelle, que tinha atravessado alguns minutos antes era estonteante!

Em Freixo tive de abastecer, pois já estava na reserva há muito tempo. Houve tempo para umas fotografias da praxe aos monumentos mais importantes e para ganhar coragem para fazer o troço da N221 até à estação de Freixo, que está em obras de correcção de traçado. Isto significa 12 km de buracos, zonas sem asfalto, saltos, ressaltos, palavrões, pó, pedras e sinalização totalmente esquizofrénica. Não foi mau...

Assim que saí do troço em obras, foi sempre a rolar até Mogadouro, onde fui bem recebido, como sempre, pela D. Estela e o Sr. Manuel 'Davim' na sua residencial. Iria lá ficar até Segunda-feira de manhã. Como me tinham convidado para assistir às festas e não queria ser um peso morto, acabei por ir ajudando no bar, à noite. Perdi o conto às centenas de frises de limão, whisky-cola, quartos de água, bicas curtas, cheias, descafeinados pingados, minis, pretas, colas e galões escuros que servi. Mas foi uma experiência que valeu a pena. Foi mais uma coisa que fiz e que não esperava vir a fazer.

As festas da terra incluíram muitos morteiros e um cartaz musical com os Quinta do Bill, que deram um grande espectáculo. O meu quarto tinha uma vista privilegiada para um dos palcos (havia um palco em cada ponta da Avenida de Nossa Senhora do Caminho, que vê o trânsito cortado na altura das festas), isto queria dizer que antes das 3 da manhã não podia dormir...

Havia também duas procissões, uma no Sábado e outra no Domingo. Estavam recheadas de bandas filarmónicas e milhões de crianças vestidas de anjinhos e Nossas Senhoras. Parecia uma convenção de anjinhos! O ponto alto das procissões eram as promessas. Muita gente prometia fazer a procissão descalça. Ainda tinham de andar quase duas horas em cima de calçada de granito a escaldar... o que vale é que a fé é que nos salva.

Muita gente fez as duas procissões descalça. Eu tirei umas fotografias à primeira e na segunda estava entretido a meter um taco no pneu traseiro, mas isso é outra história, que contarei mais adiante.

À noite, a multidão circulava de uma ponta para a outra da avenida, consoante o palco que estivesse ocupado com uma actuação. Para nós que estávamos no bar significava ou um trabalho medonho ou uma calmaria quase anestesiante.

No Sábado de tarde fui visitar o Azinhoso e o castelo de Penas Róias. Foi apenas uma voltinha de 20 km para não habituar a montada à garagem fresquinha. Gostei particularmente da paisagem em torno de Penas Róias.

Ainda estive para ir até Macedo de Cavaleiros, mas como a estrada estava em obras, tive receio de encontrar 50 km parecidos com os que se seguiram a Freixo-de-Espada-à-Cinta e voltei para trás. Acabei por me informar acerca do estado da estrada junto da Manuela, filha dos donos da residencial, que mora em Macedo. Afinal a estrada está óptima, só ainda não está pintada nos primeiros quilómetros. Ficaria para o dia seguinte!

Nessa noite, mais um espectáculo debaixo da minha janela até às tantas... o que vale é que o livro se lia bem, mesmo com barulho.

No dia seguinte iria até Bragança, passando por Macedo de Cavaleiros. Saí por volta das 14h. Fiz os 50 km até Macedo de Cavaleiros por uma estrada muito agradável e com paisagens muito bonitas. Reparei numa estrada que ligava a Izeda e Bragança e seguia ao longo do rio Maças, afluente do Sabor. Havia de voltar por ali, pensei eu!

Chegado a Macedo, passou-me logo a vontade de parar e tirar fotos. Estava tudo em obras e cheio de desvios. Resolvi continuar até Bragança. Iria apanhar o IP4 e queria saber porque é considerado tão perigoso. Sinceramente, se os limites de velocidade forem respeitados a estrada é uma como tantas outras. Vi muitos carros descaracterizados na caça à multa. Subaru e Toyota Corolla, na sua maioria.

Em Bragança, fui lanchar e segui em direcção ao centro histórico e ao castelo.

Ainda fiquei curioso por visitar o domus, mas estava tanto calor que só queria era sentir o vento através da viseira aberta.

Procurei a estrada que ligava a Izeda e fui até um miradouro sobranceiro à cidade, onde pude parar um pouco à sombra e tirar mais umas fotografias. Continuei a viagem de volta a Mogadouro por uma estrada digna de filmes. Curvas bem encadeadas, pontes sobre ribeiras encaixadas nas rochas, árvores frondosas que desenhavam um jogo de sombras na única coisa que destoava... o asfalto em estado miserável.

Fiz mais umas paragens para fotografias e uns xixis técnicos, porque em Bragança tinha bebido uma pipa de água e cheguei ao desvio que tinha visto anteriormente, ainda na direcção de Macedo.

Como ainda tinha a estrada percorrida gravada no GPS, resolvi usar essa informação para poder fazer o caminho de regresso a um ritmo mais rápido sem recear exceder-me nalguma curva mais apertada. Antes de entrar numa curva, olhava de relance para o ecrã e sabia logo se a curva era mais ou menos exigente. O regresso a Mogadouro estava a ser excelente e não tive nenhuma surpresa até que, numa curva, senti que a traseira queria continuar na mesma direcção em que estava.

"Bolas, um furo!" E tinha de ser logo na única estrada em bom estado que apanho desde Bragança. Fiz as quatro curvas seguintes quase sentado no depósito e em primeira pois o furo era muito rápido e estava a ser cada vez mais difícil convencer a traseira a seguir na direcção certa. Finalmente a berma alargou um pouco mais e pude parar sem receio de ser atropelado por algum enlatado mais distraído. O pneu estava quase vazio! Procurei um sítio onde pousar o casaco e capacete e meti mãos à obra. Tirei a bomba, o kit de tacos e duas botijas de CO2.

Tenho que avisar que por a Deauville no descanso central com um pneu furado é algo de manhoso, para não dizer maléfico.

O furo era tão grande que para o procurar, bastou-me dar duas ou três bombadas de ar e comecei logo a ouvir um silvo displicente. Eu não fazia ideia que um silvo poderia soar a displicente, mas sou capaz de jurar que era assim que ele soava, como se estivesse a fazer troça de mim. Era mesmo no meio do rasto do pneu. Foi pena. Aquele Macadam 100 ainda tinha aspecto de se aguentar até ao fim da viagem. Lá meti o taco, usei as duas botijas e dei mais algumas bombadas à mão. Já não ouvia ar a escapar. Demorei 40 minutos desde que parei até que voltei à estrada. Fui devagarinho até Mogadouro e acertei a pressão na primeira bomba que encontrei. Alguma vez havia de ser a primeira para se ter um furo e antes num pneu em fim de vida que num acabado de estrear!

Como era o último dia da festa, acabei por me deitar às 4 da manhã. Acordei às 6h30m, cheio de sono... mas já não consegui adormecer. Fui à garagem verificar tudo antes de partir para Espanha e reparei que o pneu tinha perdido algum ar. Tive de o voltar a encher. Toca a procurar um pneu novo, porque aquele já não me inspirava confiança. Em Mogadouro tinha de ficar à espera três dias... que agradável. Resolvi prosseguir viagem e ir acertando a pressão sempre que possível, até conseguir encontrar um pneu novo.

Voltei a passar por Bragança, onde não encontrei nenhuma casa de pneus. Tencionava atravessar a fronteira em Rio de Onor/Rio de Oñor e chegar a León já com sapato novo atrás. Infelizmente enganei-me numa saída e já não fui para Rio de Onor. Dei comigo a caminho de Vinhais. Como tinha decidido nunca voltar para trás e, em caso de engano, escolher uma rota alternativa, consultei o mapa de estradas e reparei que a passagem de fronteira por Vinhais também vinha assinalada como percurso pitoresco. Estava decidido. Almoçava em Vinhais e atravessava a fronteira aí.

Almocei muito bem e muito em conta, numa pensão mesmo no centro da Vila. A mota ficou à sombra e debaixo da janela onde eu estava. Não podia pedir mais.

Dirigi-me para a fronteira de Montouro e percorri muito quilómetros dentro do Parque Natural de Montesinho. Ao longe via sempre um grande parque eólico. Já era na Galiza, porque do lado português não havia nenhum aproveitamento do género, nem em ponto pequeno...

Mal cheguei à fronteira, tive outra surpresa. A estrada acabava!

Estava um cartaz a dizer que durante os próximos 11 km não iria ter direito a ter alcatrão. Mas recebia, sem pagar mais por isso, um concerto de areia, gravilha e buracos sortidos, numa alegre rapsódia em galego. Senti-me orgulhoso. Não sabia bem porquê, mas sentia.

Lá me meti no caminho poeirento com uma certa resignação. Afinal de contas não ia voltar para trás só por causa da falta de uns míseros 11 km de asfalto. 50 metros à frente tive de parar repentinamente!

No posto fronteiriço espanhol estava escrito que a Galiza não era Espanha. "Pois não," pensei eu "é Portugal!"

Já só faltavam 10.950 metros! Continuei pela pista de deserto galego que estava à minha frente. Para além de dois ou três sustos devido a montes de areia que faziam a frente fugir para todos os lados excepto para os que eu estava à espera e de algumas valas manhosas e curvas apertadas, tudo correu bem. Melhor do que esperava, até!

Depois de voltar ao asfalto, segui sempre pelas estradas nacionais paralelas à Auto Via A52. E fui andando até León.

Pelo caminho parei várias vezes para controlar a pressão do pneu traseiro, que continuava a perder ar, mas em menor quantidade e tirar as fotografias ocasionais. Procurei também sítios onde pudesse comprar um pneu novo.

Infelizmente, tive mais um percalço. Depois da estrada de terra batida que me recebeu mal passei a fronteira, tive de dar uma volta pelos parafusos das carenagens. Se até eu me sentia um bocado chocalhado e desaparafusado, a mota devia estar pior. Apenas dois parafusos estavam um pouco soltos. Um era o do contrapeso esquerdo e outro o da coluna esquerda. Meia volta a cada um resolveu o problema. Julgava que tinha verificado todos, mas vim a saber que me esqueci de verificar o que prendia a barbatana esquerda, por baixo. Numa estrada com bastante movimento vi, pelo retrovisor, um pedaço de plástico triangular ser cuspido da mota. Era uma das barbatanas que cobrem as protecções de motor. Consegui dar a volta uns metros à frente e encontrar o bocado que resolvera ganhar asas. Entretanto já tinha sido carinhosamente atropelado por um pesado e não se aproveitava nada... durante o resto da viagem andei com a protecção de motor a apanhar vento.

À entrada de León, finalmente encontrei uma oficina de pneus Michelin. Lá me disseram que não tinham pneus para motas mas sabiam onde podia comprar um! Bastava dar com a praça de touros de León. Era só virar à direita e seguir em frente até atravessar o rio. Depois dava a volta à praça e não podia deixar de ver uma casa de motas.

Em dez minutos dei com o sítio: "Moto Sevilla". Fiquei impressionado com o tamanho da loja e a imensa variedade de coisas que tinham à venda. Lá expliquei a minha situação e mandaram-me ir falar directamente com o mecânico porque já eram quase horas de fechar. Pudera, tinha andado todo o dia a parar à procura deles!

Lá falei com o Roberto (mas deve-se ler Robertóo, porque era assim que o chamavam). Não me podia montar o pneu nesse dia, mas podia meter-me mais um taco para ver se parava de perder ar. No dia seguinte logo se trataria da troca.

Lá tive um taco metido ao lado do outro, desta vez com muita cola vulcanizadora e o pneu deixou de perder ar. Apesar de ir perder algumas horas de viagem, resolvi voltar no dia seguinte de manhã para trocar o pneu e poder seguir descansado. Em princípio não devia acontecer nada ao pneu com os tacos, mas o furo era numa zona muito esforçada e ia apanhar muitas estradas exigentes. Preferi não arriscar. Antes de sair de León, comprei mais duas botijas de CO2 para substituir as que tinha usado.

Como ainda havia muita luz, fui dar um passeio pelo centro de León. Fui ver o Mosteiro de São Isidoro e a Catedral. Gostei muito desta zona. E tive a sorte de ter chegado mesmo à hora de fecho... só pude ver as coisas por fora.

Tinha de escolher um sítio onde dormir e fui consultar o mapa à mota. Segundo a Michelin, havia um parque de campismo em León, mas é uma cidade muito grande e não tinha lá muito tempo para procurar, por isso decidi procurar uma terra pequena com parque de campismo nas imediações.

A cerca de 50 km havia um, na povoação de Vegacervera. Decidi rumar para lá. Mesmo dentro de León, foi bastante fácil dar com indicações para uma terra tão pequena, bastou-me seguir as placas que indicavam as grutas.

Por volta das 21h cheguei a Vegacervera. O parque de campismo estava claramente indicado e quase no meio da povoação. E a paisagem era um espanto. A terra fica num vale encaixado entre dois maciços calcários majestosos. Um belo prenúncio do que seriam os Picos de Europa. Como ia sair cedo, resolvi pagar adiantado os 8.70 € (já com direito a levar a mota para o pé da tenda). Avisaram-me que não havia água quente nos duches Norte. Por isso sugeriam que montasse a tenda na zona Sul, que estava mais cheia, mas podia montar onde houvesse espaço livre sem qualquer problema. Depois de dar uma voltinha pelo parque, cheguei à conclusão que os duches Norte estavam a 20 metros dos duches Sul... e fui montar a tenda perto de uma BMW 650, debaixo de um candeeiro que de vez em quando se apagava.

Como era a primeira vez que montava a tenda com as estacas todas, demorei quase meia-hora para a ter habitável. Depois fui tomar um merecido duche quente. Quando estava pronto para ir comer qualquer coisa, já passava das 22h30m e estava tudo fechado, tirando um bar que não tinha nada para comer... No caminho de volta para o parque, sempre à beira de um regato, comprei uma lata de Fanta Laranja (que era a única coisa que havia na máquina automática) e fui vasculhar a bagagem à procura de qualquer coisa para comer. Encontrei um Bacio que me tinha sido dado em Mogadouro. Fui buscar os talheres de prata e os guardanapos de seda e fiz o meu jantar de cerimónia Bacio acompanhado de Fanta Laranja. Nada mau. Amanhã logo me vingaria ao pequeno-almoço.

Acordei às 8h00m e comecei a empacotar tudo. Como a tenda é tão complicada de desmontar como de montar e o saco cama NUNCA cabe no saco, acabei por só sair do parque às 9h20m, sem pequeno-almoço tomado. Tinha combinado com o Roberto às 10h na Moto Sevilla... O pneu não tinha perdido ar e pude partir descansado para León.

Mudou-se o pneu, calibrou-se a roda à mão (nunca o tinha visto fazer à maneira antiga) e reparei que o Roberto tinha um aprendiz na oficina. No dia anterior não estava lá. Um pouco depois reparei que não era um aprendiz, era uma aprendiza! Estava entretida a limpar os filtros de ar de uma acelera.

Nos quarenta minutos que demorou a troca para um BT-020, pude apreciar o belo tombo que uma Deauville da Policia de Trânsito de León tinha dado. Estava com a frente direita toda desfeita e a direcção empenada. Estive quase para lhe gamar barbatana esquerda, mas reparei que também tinha ido à vida no acidente...

Depois de pagar a dolorosa rumei aos Picos, finalmente.  Como eram horas, parei num supermercado Dia para comprar almoço e algo para o jantar. Descobri que vendem umas empadas de atum fantásticas que, com umas peças de fruta e muita água, fazem uma refeição ligeira ideal para se fazer muitos quilómetros sem enfado. A parte melhor é que fica quase de borla! Por dois jantares e um almoço paguei 6.15€!

Mas o que queria mesmo era ir para a montanha! E assim fiz. O objectivo era chegar a Potes ao fim da tarde. Se fosse pelo caminho mais curto seriam à volta de 100 km, mas como fiz o segundo desvio "só por causa das curvas", acabei por percorrer quase 270 km só para chegar a Potes às 18h30m.

Passei por estradas que vinham assinaladas como perigosas no mapa e tinham sinais limitadores de velocidade a 20 km/h. Eram suficientemente estreitas para ser difícil duas motas com malas laterais cruzarem-se. Mas a paisagem valia a pena!

As estradas que percorri fizeram-me vencer desníveis imensos. Ora estava a 1700 metros de altitude ora descia até aos 300 e voltava a subir para os 1200. Tudo isto em menos de 3 km em linha recta, mas com várias dezenas de quilómetros de estradas sinuosas e miradouros fantásticos pelo meio.

Ao chegar a Potes, dei uma pequena volta pela terra e apeteceu-me parar para tirar fotografias a tudo. Como estava muito calor e tinha tido dois percalços que me deixaram aborrecido, doía-me um pouco a cabeça e nem me dei ao trabalho de ir para o parque de campismo. Parei numa sombra e cheguei à conclusão de que tinha atingido um objectivo da viagem, mas para além de dormir em Potes, não sabia o que iria fazer a seguir. Estava na hora de alterar os planos todos. Não ia dormir em Potes. Ainda havia muito dia para gozar e muitas estradas de montanha para percorrer. Não ia enfiar-me no parque de campismo de onde já sabia que só sairia no dia seguinte. Fiz um telefonema a dois amigos que iam participar na Tomatina, em Buñol. Combinei encontrar-me com eles ao final da tarde do dia seguinte, assim que eles tivessem acabado de tirar os pedaços de tomate dos ouvidos. O único problema é que Buñol fica perto de Valéncia... a cerca de 800 km de Potes.

Comecei a procurar no mapa um parque de campismo a cerca de duas horas de distância, numa terra pequena, para ser fácil dar com ele, e na direcção de Valéncia. Encontrei o que queria na vila de Covarrubias. Nem eu sonhava que seria das escolhas cegas mais acertadas de sempre. Fica algures entre Burgos e Soria, a 180 km de Potes. Teria quase 60 km de montanha para fazer e o resto seria em estradas nacionais sinuosas.

Na estrada que liga Potes a Cervera de Pisuerga cruzei-me com imensos motociclistas de viagem. E todos corresponderam ao cumprimento. Aliás, em Espanha encontrei poucos que não o fizessem.

Ao chegar a Burgos, estava já na reserva há muitos quilómetros. Procurei um posto de abastecimento por todo o lado. Acabei por ter atravessar a cidade com 34º à sombra (às 19h30m!) e apanhei TODOS os semáforos vermelhos. Acabei por abastecer num centro comercial, em frente a um Mac Donald's. Estava com fome e quase que fui tentado a jantar lá, mas a minha prioridade era chegar a Covarrubias por volta do pôr-do-sol.

Acabei por chegar à povoação por volta das 21h, já com o sol posto. Como não encontrei o parque de campismo à primeira, resolvi perguntar a um velhote. Cinco minutos depois já estava a assinar o recibo de entrada no parque.

"E donde monto la tienda?"
"Pues, donde tu quieras!"

Escolhi um sítio sossegado, mais ou menos a meio do parque. A terra era muito dura e quase me arrependi de não ter levado um martelo a sério, mas a tenda ficou de pé e altamente convidativa. Afinal de contas tinham sido muitos quilómetros em estradas de montanha absolutamente fantásticas e com um calor danado!

Estava tão cansado que só me apetecia dormir vestido. Lá ganhei coragem e fui tomar banho. Fiquei agradavelmente surpreendido com as instalações sanitárias. Estavam impecavelmente limpas e havia água quente.

Voltei à tenda e fui dar uso à cozinha. Nunca uma lata de chili con carne me soube tão bem. Desta vez até me tinha sabido a pouco, por isso ainda fui ao bar comer uma caña e beber um sumo de laranja.

Já que ainda estava acordado, resolvi dar um pulinho à vila. Fiquei apaixonado. Uma terra quase medieval, muito arranjada e com a vida que as terras espanholas costumam ter à noite. Estava visto que no dia seguinte ia ter de sair mais tarde. Valia a pena tirar umas fotografias! Voltei ao parque e ainda antes de fechar o saco cama, já estava a dormir.

Na manhã seguinte, voltei a não perceber como é que o saco do saco-cama encolhe durante a noite! Fui pagar os 8.80 € e dirigi-me até ao centro de Covarrubias. Tirei montes de fotografias, tomei o pequeno-almoço e voltei à estrada. O próximo destino seria Valéncia.

A viagem decorreu sem grandes incidentes. Em Daroca comprei gasolina a 0.989€, a seguir a Teruel apanhei uma chuvada com 38º. Foi tão repentina que mal tive tempo de parar para pôr a capa no saco de depósito. Pelo menos lavou a poeira que cobria a mota desde a entrada na Galiza e os milhões de insectos mortos. 10 minutos depois, pude voltar a calçar as luvas de Verão.

Aterrei em Valéncia às 17h30m. Esperei pelos meus amigos junto ao aeroporto, só para trocar uma palavrinha. Começava a trabalhar no dia seguinte e ainda estava a 1000 km de casa, em linha recta...

Atirei-me para a Auto Via em direcção a Madrid cheio de pena do pneu novo que ia acabar por ficar quadrado, mas se tinha de estar às 9h00m em Portugal, lá teria de ser. Alguns quilómetros mais à frente, comecei a pensar se não seria uma viagem um bocado suicida, visto já ter feito mais de 500 km desde Covarrubias. Acabei por telefonar ao chefe e perguntei se havia algum inconveniente em aparecer só na Sexta-feira. Felizmente que o patrão é um gajo porreiro. Comecei logo a ver onde poderia encontrar um parque de campismo a cerca de 100 km de onde estava, para lá chegar ao anoitecer. Encontrei um um pouco para lá de Albacete. Meti-me à estrada. Desta vez era por uma nacional, o que me fez sentir com menos remorsos quanto ao pneu, mas não deixava de ser uma sucessão interminável de rectas...

Acabei por encontrar uma placas a indicar um parque de campismo a meio caminho. Não vinha assinalado no mapa Michelin, mas veio a calhar porque o cansaço já era muito. Fiquei uma noite no La Fuente, em Casas de Vez. Era bastante mais caro que os anteriores (13 € por noite) e não tão bom. Aliás, nem tomei banho porque os duches eram longe, as luzes estavam desligadas e eram muito ventosos, apesar de não estarem sujos, não estavam imaculados como os de Covarrubias.

A única coisa mesmo boa do parque era o solo macio na zona das tendas. Nem foi preciso martelar as estacas.

Comi uma Alubiada a la Vasca aquecida no abrigo da tenda e ainda fui comer uns tapas ao edifício da recepção. Fui servido pela filha da dona que se devia chamar Maribéeéel...

No dia seguinte, desmontei a tenda, fui beber um café con leche para servir de pequeno-almoço e meti-me à estrada.

Parei em Oñaca para almoçar no Dia (benditas empadas de atum) e continuei a viagem até Toledo, onde aproveitei para fugir à canícula entre as 14h e as 16h.

Encontrei um parque de estacionamento subterrâneo mesmo em frente ao Alcazar que, apesar de ser pago, me permitiu deixar a mota à fresca e sem preocupações de que me tentassem aliviar da carga. Usei um cadeado Samsonite com um cabo de aço para deixar o capacete, saco de depósito e GPS devidamente amarrados à mota. Achei-o uma das peças mais úteis da bagagem.

Comprei uns postais e um autocolante alusivo à viagem para colar na topcase e fui tirar umas fotografias. Felizmente que o traçado das ruas é tipicamente árabe, porque estava um calor de morrer ao sol. Mais tarde fui à procura de selos para os postais e perguntei pelos correios. Lá me disseram para subir pela rua da esquerda, voltar à esquerda e novamente à esquerda. Depois era só seguir em frente que se ia dar aos correios.

Fui pela rua da esquerda, voltei duas vezes à esquerda e andei, andei, andei. Umas vezes a rua virava à esquerda, outras à direita. Umas vezes fazia cotovelos, outras joelhos. Subia, descia, saltitava e contorcia-se. E nada de correios. Já estava quase a voltar para trás quando, a seguir a uma curva apertada, sou surpreendido por dois leões disfarçados de marcos postais.

Era o edifício dos Correios!

Lá dentro foi uma epopeia para comprar seis selos. Ora estavam os guichets todos fechados, ora era com o colega do do lado, ora afinal era com ele, mas noutro guichet. Quando consegui ser atendido por um funcionário, a impressora dos selos encravou e fiquei mais 20 minutos à espera do raio dos selos! Quase 45 minutos depois de ter entrado no edifício saí orgulhosamente, com seis selos de 0.53 € na carteira. Voltei ao Alcazar, paguei o estacionamento e escrevi os postais. Só depois saí para o forno que ainda estava cá fora.

Dei uma volta a Toledo para fazer mais umas fotografias e pôr os postais no correio. Meti-me na estrada para Talavera de la Reina, onde cheguei já um pouco farto de rectas a perder de vista. Resolvi fazer mais uns quilómetros em estradas de montanha só para desanuviar... o próximo desvio "só por causa das curvas" levar-me-ia até Guadalupe.

Um pouco depois de Gaudalupe, onde enchi o depósito (andava na reserva há quase 60 km), pude testar a eficácia dos apitos ultrassónicos que instalei nas tomadas de ar de arrefecimento do cilindro traseiro. Vinha um cão do tamanho de um bezerro a passear no meio da estrada, completamente distraído. Assim que fiz a curva para o troço de estrada onde ele estava desatou a correr a alta velocidade, em vez de ficar especado a olhar (como é costume). Ainda tive de travar porque resolveu atravessar-se à minha frente, mas pelo menos deu por mim sem ter de lhe buzinar.

De Guadalupe fui até a Logrosán e de Logrosán a Trujillo, onde dei a volta mais longa à cidade porque segui as indicações para Portugal. Teria sido mais rápido ignorar as placas e ter seguido por onde o instinto mandava. Um pouco mais à frente, acabou-se-me a água do cantil. Agora que já me estava a habituar a ter sempre a boca molhada... Mas já faltava pouco para chegar a Portugal. Passei por Cáceres e já me cheirava à Lusitânia!

Tive de parar para fotografar o pôr-do-sol mais bonito da viagem. Já só faltava mais uma hora para a fronteira!

A cerca de 30 km da fronteira, ao passar numa circular a uma terreola qualquer a 90km/h (apesar da sinalização limitar as aventuras a uns modestos 50 km/h), vejo uma lanterna laranja acender-se e dois Guardias a pedirem-me educadamente para encostar...

"'Tá tudo estragado!" pensei logo. "Cheio de pressa em chegar e é a 30 km que tenho de largar as economias..."

Fiquei a olhar para o polícia, à espera que me dissesse que vinha depressita. Ele ficou a olhar para mim, à espera de sei lá o quê, até que me pediu os documentos. Uma troca de palavras acerca do meu percurso de já 3000 km, devolveu-me os documentos e desejou-me boa viagem!

Foi a primeira vez que vi polícia no meu sentido. Até então tinha-me apenas cruzado com muitas motas e carros da polícia.

Vinte minutos depois estava na fronteira do Marvão.

Apesar de as estradas do lado português estarem ao nível das que me tinham trazido até à fronteira, notei muito a falta de sinalização. De tal maneira que quase saí da estrada na segunda curva. Não estava sinalizada! Com calminha desci até à povoação de Portagem, onde jantei um belo bife, bebi dois litros de água, e segui caminho.

Como já estava muito cansado, resolvi apanhar a A23 e fazer o resto do percurso por auto-estrada até casa. Parei duas vezes nas nacionais antes de atingir a A23 para regar umas plantinhas, desentorpecer umas pernas e afastar o sono que me parecia estar a chegar.

Voltei a parar na área de serviço de Santarém para beber um sumo de laranja e esticar as pernas e uma hora depois estava a parar a mota à porta de casa. 971 km de uma só tirada!

No dia seguinte fui encomendar a barbatana perdida. Ao chegar a casa parei para comprar pão para a saída espeleológica de Sábado. Deixei a mota no descanso lateral, num passeio meio esburacado. Estava a preparar-me para partir quando apareceu uma amiga minha e ficámos a conversar. Uns minutos depois ouvi um estrondo! A mota tinha escorregado e estava deitada para o lado da barbatana boa! 3356 km sem nenhuma queda e agora atirava-se para o chão sozinha, é preciso ter azar! Não contente com partir a barbatana direita, risquei a carenagem lateral, a central, a mala direita e o espelho retrovisor. A mala tinha sido pintada não fazia um mês, a barbatana, espelho e carenagem central eram novos! Assim que me passar a vontade de chorar, trato de reparar os estragos...

Depois de terminadas as contabilidades da viagem, gastei 182 litros de gasolina, o que dá uma média de 5.4 litros gastos a cada 100 km. Não é mau tendo em conta que fiz muita montanha e andei sempre muito carregado. Só quando fazia grandes rectas é que ficava com a mão direita ligeiramente dormente, mas bastava fazer um desvio "só por causa das curvas" que me passava logo.

Passei 43h35m a conduzir e fiz uma média de 77 km/h (estava à espera de andar mais devagar).

Para os proprietários da Deauville: o limitador de velocidade nunca entrou em acção. Fechei a tampa no dia da partida e nunca mais lhe tive de tocar. Também não passei dos 157 km/h e ele está afinado para os 220 km/h...

Houve coisas que senti falta e outras que acho que deixo em casa na próxima viagem. Entre as primeiras posso incluir um martelo a sério, um esfregão para a loiça (que já comprei e está a repousar dentro da chávena da cozinha de campanha), uma embalagem de detergente pequenina (que ainda não encontrei nenhum frasco que me agrade) e uma farmácia com uma caixa rígida (porque um saquinho hermético não parece nada profissional). De entre as coisas que ficam em casa da próxima vez posso indicar as joelheiras (se estou de viagem, uso as calças da viagem se quiser andar de mota! Não vale a pena levar as joelheiras para usar debaixo das outras calças), as ceroulas (pelo menos para os meses quentes), o casaco de lã polar (se tiver frio só com a camisola visto o casaco da mota por cima) e o leitor de mp3 (porque nunca o usei).

Levei um receptor GPS Garmin Map 60 CS preso a uma barra de enduro e num suporte Touratech. Usei-o principalmente para registar a minha rota. Só tenho pena que ele registe as rotas com pontos muito espaçados e perca parte da informação quando as grava para a memória. Tenho umas saudades do Magellan Meridian Gold... mas não se pode ter tudo.

Agora fiquei com o bichinho de viajar de mota! Qualquer dia volto a dar uma voltinha.

 

Queluz, 10 de Setembro de 2005

66 anos depois da invasão da Polónia por parte da Alemanha.