Passatempos

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A tortura cruel

    Lúcifer tinha roubado um colar valioso ao Marquês do Lavradio.

    A firma Duarte & Companhia tinha sido contratada para descobrir quem o tinha roubado e recuperá-lo.
    Descobrir que tinha sido Lúcifer e recuperar o colar tinha sido fácil. Mas agora que já tinha marcado a devolução com o Marquês, Joaninha e Tó tinham desaparecido. E a mulher andava outra vez desconfiada de que ele andava com outra.

    Com o adiantamento recebido, Duarte tinha ido pagar as letras em atraso do 2 CV. Tinha acabado de sair do banco e estava de mau humor. «Ainda me faltam 23 letras para pagar!» pensava ele.
   
Nesse momento, de um carro branco que pára com uma chiadeira infernal, saltam Tino e Rocha com um ar tresloucado e atiram com Duarte para o banco de trás. Rocha senta-se a seu lado, de arma apontada.
   
Duarte bem tenta chamar-lhes à razão, mas só lhe dizem para ficar caladinho que o chefe quer ter uma conversinha com ele.

    Quando chegam à quinta já estava à porta Lúcifer com um sorriso sarcástico.
   
- «Caríssimo Duarte, ainda bem que pôde aparecer. Era mesmo consigo que queria falar.»
   
- «Francamente. Bastava ter telefonado. Era escusado causar-me todo este transtorno de ser raptado à porta do banco e ficar toda a gente a olhar para mim.»
    - «Lamento o incómodo, mas entre. Entre. Vamos até à cave.»
    - «À cave? Não sou digno de entrar na sala?»
    - «Tenho uma coisa para te mostrar.»

    Ao chegarem à cave Lúcifer mostrou-lhe a Joaninha e o Tó amarrados a uma cadeira sob com um ar combalido.
   
- «Preciso que me diga onde escondeu o colar que tirou aos meus homens. É uma grande maçada roubar o colar ao Marquês e depois vir você e dar-me cabo dos planos de lho vender de volta. Como vê, já tenho os seus companheiros em meu poder. Só foram capazes de me dizer que apenas você sabia onde está o colar.»
    - «Chefe, diga-lhes tudo o que querem saber. Eles são implacáveis!» Grita Tó.
    - «Nunca o terá de volta! Está em sítio seguro. E não lhe direi onde!»
    - «Prezado Duarte, sempre achei que seria mais razoável. Estou a ver que preciso de ser mais convincente.»

    Lúcifer, com um ar aborrecido, ordena:
   
- «Ó Rocha, chama aí o Markl! Tino, amarra este senhor à cadeira.»
    O Rocha abre a porta, põe a cabeça de fora, vira o bigode para a direita e grita:
   
- «Ó chinês, traz aí o Marco!»
    - «Mim não sele chinês! Mim sele japonês!»
    - «Mim não sele Marco... err... Eu não sou Marco, sou Markl!»

    Duarte treme de pavor assim que vê entrar aquela barriga pela porta. Julgou que ia ser esmagado. Uns minutos depois lá entrou o resto do Markl. Afinal tinha ficado com a manga do casaco presa no puxador da porta e esteve a debater-se um bocadinho para se conseguir soltar.
   
- «Irra! O raio da porta queria-me despir. Ainda se fosse uma gaja boa...»
    - «Caro Duarte, deixe-me que lhe apresente Markl, o famoso carrasco do 13º Bairro Fiscal. É conhecido por torturar as pessoas de forma cruel e sem deixar marcas. Quando acabar o serviço, não só me vai dizer onde está o colar, mas também imensas coisas que, sinceramente, não me vão interessar por aí além! Markl, ao trabalho!»
    - «Mas isto é desumano! A Convenção de Genebra proíbe expressamente a tortura! Não sairá uma palavra da minha boca, juro-lhe!» Reclama Duarte.

    Lúcifer ajeita as lapelas do seu fato branco e sai da sala para ir ouvir um pouco de Ópera. Os gritos da tortura deixavam-no sempre um pouco aborrecido.
    Markl puxa de uma cadeira e senta-se em frente a Duarte.
   
- «Sabe, eu desenvolvi um método de tortura muito especial. Não envolve aquecedores, nem castigos físicos, nem nada que possa deixar marcas comprometedoras. Vou-lhe apenas ler uns excertos do meu último livro. Garanto-lhe que ao segundo parágrafo me dirá tudo o que o chefe quer saber.»
    - «Já disse que não conseguirão nada de mim!»

    O carrasco abre o livro e começa a ler. À primeira piada, Rocha larga o pescoço do chinês e desata a dar cabeçadas na parede. Tino rasteja com as mãos nas orelhas para fora da sala. A Joaninha e o Tó pedem clemência e juram que não sabem mais nada. Markl ajeita os óculos e olha para Duarte. Estranhamente está a sorrir...
   
- «Por favor continue. Estou a gostar muito»

    Um pouco espantado, Markl continua. O japonês tenta sair da sala, mas era incapaz de controlar as pernas e desata aos berros a implorar que o matem. Duarte sorria e acenava com a cabeça de maneira aprovadora.
   
- «Olhe que o senhor Marco tem muito jeito.»
    - «Markl!»
    - «Isso, isso. Tem muito jeito, sabia?»

    Markl resolve começar a ler histórias da parte final do livro, nunca tinha sido necessário recorrer a torturas tão poderosas. Estas são aquelas que fazem encaracolar as unhas dos pés só de pensar no sofrimento que infligem a quem as ouve. Duarte ria à gargalhada.
    - «Mas isto é incrível. Você é a primeira pessoa que acha piada às coisas que escrevo! Eu volto já!»

    Sai da sala a correr e aos berros:
   
- «Lúcifer, Lúcifer! Finalmente há alguém que me compreende! O Duarte riu-se das minhas histórias!»
    - «Como?!? Ele resistiu à tortura?»
    - «Sim! Sempre que lhe digo qualquer coisa só responde "Ohhh! Ahhh! Mas que bela piada, sim senhor." Isto é um pouco desconcertante. É a primeira vez que me acontece. Acho que me vou reformar e passar a escrever piadas a tempo inteiro. Pode ser que haja mais quem goste.»
    - «Este Duarte não cessa de me surpreender. Estou a ver que tenho de ser eu a tratar das coisas pessoalmente.»
    - «Ah, só mais uma coisinha... a minha cadela deixou-lhe um pequeníssimo presente no tapete de pele da entrada... até logo!»

    E saiu de fininho, antes que Lúcifer explodisse de raiva.
    Ainda não tinha posto as ideias em ordem quando ouviu uma grande comoção do lado de fora. Foi espreitar à janela e viu que Tino tinha apanhado tanto a esposa como sogra de Duarte a rondar a casa.

    A dedicada esposa de Duarte, ao ver passar o marido no banco de trás de um carro branco acompanhado de uma figura de cabelos compridos e julgando que estava a ser traída, resolveu segui-los até à quinta, acompanhada da sua mãe. Queria por tudo em pratos limpos!
   
- «Sejam bem aparecidas. Vieram mesmo a tempo. Tino, leva-as à cave. Vamos ver se o Duarte resiste a ver a sua família sofrer» Ordena Lúcifer.
    - «Onde está o meu marido?»

    Tino leva ambas para a cave. Como a sogra de Duarte estava a resistir, Tino resolve ser mais convincente e empurra-a para a sala onde estava toda a gente.
   
- «Ó velha, mexe-te!»
    - «Meu grande gandulo! Rufia! Trata-se assim uma senhora? Toma!»

    E começa a encher o pobre Tino de pancada com a mala que, como todos sabemos, contém um tijolo de razoáveis dimensões. Ao ver toda aquela comoção, Rocha volta a largar o pescoço do chinês e desata também a bater no Tino .

   
- «A minha mãezinha! Ninguém bate na minha mãezinha!»
    - «Tua mãezinha? É a minha mãezinha!» Responde Albertini.

No meio da confusão, a esposa de Duarte liberta-os a todos e desata a bater no marido.
   
- «É assim que gostas de mim? Deixas-me preocupada. E depois venho dar contigo amarrado numa cave escura.»
    - «Mas ó querida, asseguro-te de que não tive nada a ver com isto.
Ai! Não me batas!»

    Nisto, Lúcifer repara que o colar que tanto procurava estava ao pescoço da sogra do Duarte e tenta arrancar-lho. É claro que apanha com a mala antes sequer de lhe chegar perto.
   
- «A minha mãezinha!» Gritam em coro Rocha, Albertini e a esposa de Duarte e desatam à pancada uns aos outros. Lúcifer vai apanhando por tabela até que é capaz de fugir.
    - «Eu bem disse que estava em local seguro!» congratulava-se Duarte.

    Joaninha aproveitava para ir dando uns tabefes aqui e ali enquanto o Tó fazia festas à sua gravata e pensava que devia ter metido o Totobola. Finalmente as coisas acalmaram e puderam todos sair da quinta. Acabaram por encontrar Markl ainda à espera do táxi para casa, fazendo um ar distraído, não fosse ter sobrado um sopapo ou outro.

    Duarte, todo contente explicava:
   
- «Eu bem sabia que eles tentariam voltar a por as mãos neste colar. Mas agora já o podemos devolver ao seu dono. Querida, podes pedir à tua mãezinha que mo dê?»
    - «Ai agora queres tirar as jóias à minha mãe, meu grande safado? Dás e depois tiras? Toma!»
    - «Ó querida, não é isso... Ai! Eu dei-as à tua mãe para estarem seguras! Ai! Agora já as posso levar... Ai!»

 

Queluz, 15 de Janeiro de 2006
574 anos depois do nascimento D'el-rei D. Afonso V.