de 1984

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A relação entre o mundo actual e o que
George Orwell previu em 1948, no seu livro 1984

 

    Sempre me pareceu que a sociedade norte-americana tinha qualquer coisa de esquisita...

    Desde que li o livro do profeta (Orwell, obviamente) que comecei a suspeitar que este tinha sido usado para definir as linhas de governação da segunda metade do Século XX. Já se sabe que 1984 foi usado como manual para as altas esferas do Partido Comunista na URSS, apesar de estar proibido para o cidadão comum.

    Segundo me parece, os sucessivos Governos dos Estados Unidos da América têm seguido, quase literalmente, a mesma obra.

    Penso que sofrem do síndroma do Big Brother... sem nenhuma relação com o concurso... acho.

    Deixemos as suposições e passemos às provas.

 

    1ª prova: Emmanuel Goldstein - o inimigo.

    Desde o final da 2ª Guerra Mundial que se têm inventado novos inimigos da pátria (dos Estados Unidos, claro) para que o povo possa odiar, sem pensar na situação interna.
    Começaram por ser os Comunistas com a caça às bruxas do Senador McCarthy.
    Depois passaram a ser os Vietcong (continuavam a ser os comunistas).
    A seguir, e até ao fim da Guerra Fria, eram apenas os Vermelhos (não fazia muita diferença se fossem Chineses, Russos ou até mesmo Alemães). Entretanto foram os Iranianos, passando para os Iraquianos quando estes ameaçaram os recursos estratégicos no Kuwait. faz-me lembrar a guerra permanente entre as 3 super-potências (Oceânia, Eurásia e Lestásia).
    Depois do dia 11 de Setembro de 2001 Emmanuel Goldstein mudou de cara, passou a usar turbante, deixou crescer a barba e tornou-se Muçulmano fervoroso...

    O que é espantoso é que "Os Dois Minutos De Ódio" diários têm persistido desde a década de 1950... não há dia que não passe em que não se leia, veja ou ouça uma menção de qualquer espécie ao Goldstein que está de serviço. E isto já nos está a contaminar... os inimigos dos EUA já começam a ser os nossos inimigos.

 

    2ª prova: Fundamentalismo e Totalitarismo

    Já o tinha referido noutra divagação, mas o Governo Norte-Americano é profundamente fundamentalista, tal como o Partido no poder de Oceânia. Só assim se explica a declaração de George W. (mas quem é que se chama W.?) Bush - "Quem não está connosco, está contra nós!", proferida alguns dias depois dos atentados.

    Quanto ao ponto do totalitarismo... eles são os bons, os outros são os maus. Os bons é que devem mandar...

 

    3ª prova: O Puritanismo

    Na Oceânia havia um movimento de jovens chamado Liga Anti-Sexo, que usavam uma fita escarlate no braço para identificar o seu celibato. Servia apenas de fachada para a sua promiscuidade entre si e com os membros do Partido Interno.
    Não sei porquê mas vem-me sempre à cabeça o falso puritanismo que caracteriza a sociedade americana. A vontade de usar eufemismos, a mudança da língua por forma a não haver palavras sexistas. Não é por dizer que até gostam de afro-americanos que deixam de odiar os pretos... chega a uma altura que as palavras que os eufemismos vieram substituir desaparecem para sempre e se ouvem coisas como "a female fireperson" pois é proibido, por lei, dizer "firewoman" porque pode ser interpretado como um comentário sexista...

    As políticas de Tolerância-Zero nas escolas são outro exemplo de uma sociedade hipócrita. Há putos (e meninas da mesma idade) que são expulsos da escola porque levaram bisnagas, porta-chaves ou imitaram uma pistola com a mão, apenas porque a lei não permite que se levem armas ou objectos similares para a escola. Nos objectos similares incluem-se "representações de armas". Bem vistas as coisas também são expulsos do jardim de infância por assédio sexual... porque a lei não diz a partir de que idade é que se pode condenar alguém por este crime.

    É o puritanismo que os torna interpretadores literais das leis (tal como os seus novos inimigos - os muçulmanos radicais). Há pessoas condenadas por terem exercido o direito de auto-defesa e terem morto um atacante. não são acusadas de ter morto o atacante, mas sim de terem violado as condições de liberdade condicional que impunham que a pessoa não detivesse armas de fogo, mesmo que estas pertencessem ao homem que nos queria matar...

 

    4ª prova: MiniPax - O Ministério da Guerra

   Estão em guerra permanente, com este ou aquele país, de uma forma mais ou menos empenhada, com alianças que se formam e caem por terra com uma facilidade incrível.
    Desde o final da guerra na Europa passaram para a Coreia, da Coreia para Cuba, de Cuba para o Vietname, do Vietname para as escaramuças na América do Sul e Ásia, com incursões em África, guerra total contra o Iraque, por intermédio da NATO (que controlam) envolveram-se numa guerra nos Balcãs e já estão no Afeganistão...
    Os seus aliados têm mudado muito, desde o apoio até à destituição forçada de diversos chefes de estado temos nomes como Salvador Allende, Pinochet, Saddam Hussein, Fidel Castro... os Russos, de inimigos figadais passaram a aliados estratégicos na guerra do Afeganistão. Os Iranianos eram apoiados pela CIA até que se deu o caso Iran-Gate (fornecimento de armas aos rebeldes que derrubaram o Xá Reza Pahlavi - a pandilha do Khomeini e restantes amigos) e voltaram a ser os piores inimigos.

    Não é à toa que o orçamento militar norte-americano voltou a ser aumentado. A guerra é essencial para manter o povo sereno. Se há guerra, por muito pequena que seja, há desculpa para que se atropelem algumas liberdades - por causa do esforço de guerra.

 

    5ª prova: MiniAmor - O Ministério do Amor

    No Ministério do Amor os criminosos do pensamento (aqueles que têm pensamento divergente da ideologia oficial) são torturados. Os taliban capturados no Afeganistão, desde que entraram no avião, estiveram sempre vendados (segundo as entidades militares têm sido submetidos a privação sensorial), despidos e algemados. Eu chamaria a isto tortura psicológica...
    E já que se tratam de prisioneiros importantes porque são mantidos debaixo de telheiros ao ar livre? Será que não há cadeias com paredes na base de Guantanamo?
    Esta deve ser a interpretação da Sala 101 para os americanos...

    Entrentanto, como já não é notícia, já ninguém quer saber deles. Ninguém sabe se estão em novas celas, se já podem coçar o nariz sem ter de levantar as pernas por causa das grilhetas ou se já tem roupa para vestir - são muito pobrezinhos este taliban...

 

    6ª prova: MiniVero - O Ministério da Verdade

    O Ministério da Verdade ocupa-se da mentira... a sua função consiste em alterar os registos do passado para que tudo concorde com o presente. Se o Governo prevê que a inflação vai ser de 2% mas afinal é de 4% não há problema algum; muda-se a previsão original, em todos os registos, de 2% para 4%.
    Nos EUA desapareceram duas torres. Desde esse momento todas as séries, filmes ou noticiários começaram a fazer desaparecer as cenas em que se viam as torres do World Trade Center... como que por magia.
    Até que acabem as obras no Quadrilátero (anterior Pentágono) não se voltam a recolher imagens do edifício (pelo menos aquela fachada não é filmada).
    Assim que se acabarem de retirar os escombros de Nova Iorque as únicas recordações que teremos daqueles dois edifícios serão umas fotografias que circulam pela Internet com um imbecil de óculos...

 

 

    7ª prova: O Big Brother

    No livro existiam um aparelhos - os tele-ecrãs - que permitiam ver e ser visto. Apenas os membros do Partido Interno os podiam desligar - e assim preservar a sua privacidade.

    Desde há alguns anos que temos vindo a ser invadidos por pequenos tele-ecrãs, de que dependemos cada vez mais por serem a nossa ligação privilegiada com o resto do mundo. Refiro-me ao correio electrónico, aos telefones móveis, às ligações digitais para todo o lado, à televisão interactiva. A par do desenvolvimento de todos estes sistemas evolui, na sombra, um sistema de controlo, intercepção e escuta. Decerto já ouviram falar do Echelon, do DCS/1000 ou do Carnivore do FBI. São sistemas que permitem violar a privacidade das mensagens quer de e-mail, quer telefónicas.
    Fazem-nos depender destes pequenos tele-ecrãs para que nos possam controlar melhor...

    Mas também não quero ser muito negativista. Tenho esperança que as leis de privacidade evoluam e sejam respeitadas, ou que o volume de informação que tais sistemas passem a ter de processar se torne impossível de gerir.

    Uma versão mais avançada de Big Brother ainda está para vir, apesar de já ter começado a  mostrar as garras. A Microsoft atrasou o lançamento total das Smart-tags, que permitiriam ligar todos os conteúdos da Internet a uma base de dados central. Se encontrássemos uma referência a uma marca, não era necessário criar a ligação, bastaria clicar na palavra e, a partir da base de dados central, era devolvido o endereço correcto. Até aqui tudo bem, mas todas as nossas consultas seriam controladas pelo Big Brother! Seria desnecessário criar ligações entre páginas, a Microsoft encarregar-se-ia de as manter actualizadas, bastaria escrever o conteúdo... as listas de ligações seriam uma coisa do passado, bastava referir os nomes das páginas - sem necessidade de actualizar os endereços sempre que alguém mudava de servidor. As ligações erradas deixariam de existir para sempre - pelo menos enquanto a central se mantivesse actualizada.
    É obvio que quem controlar essa base de dados pode incluir ou excluir qualquer página a seu bel-prazer, seria a censura mais insidiosa de todas. Se não se quiser dar a conhecer o conteúdo não se revela a sua existência... Se a nossa mensagem vai contra a política oficial não há nada mais simples do que retirar o registo da lista de endereços autorizados.
    Este é o verdadeiro Tele-ecrã! Mostra-nos a versão oficial e regista todos os nossos movimentos ditos virtuais.

    Por muitas vantagens que possa ter o sistema, quer na eliminação de ligações perdidas, quer de restrição de acesso a páginas por menores, quer de tornar a Internet na maior máquina de publicidade do mundo - não se comparam à perda de privacidade e sensação de controlo gerada por tal sistema.
    Na minha geração já não soubémos como se vivia antes de 25 de Abril de 1974, mas sabemos que toda a gente tinha medo. Os pais não falavam em casa porque tinham medo que os filhos comentassem com os colegas os seus pontos de vista - os bufos também tinham filhos na escola... O ambiente era muito repressivo. E tornar-se-á tanto ou mais caso se enverede por semelhantes sistemas. A PIDE virtual passará até a actuar em nossas casas. 

    E deve estar para breve a inclusão de sistemas de posicionamento global em telefones móveis, permitindo controlar não só os nossos movimentos físicos mas também as nossas conversas, já que todos terão telefones consigo. Na Finlândia já se faz quase tudo por telefonia móvel, desde telefonemas a pagamentos de compras e contas. E lá já há mais telemóveis que telefones de rede fixa...
    Para os Serviços de Informação os telemóveis são o Paraíso das escutas telefónicas, pois já não é preciso pedir ordens judiciais para uma série de aparelhos, basta escutar um telemóvel, que anda sempre com o sujeito em questão.

    Podemos rejeitar o uso de telefones móveis, mas isso também é rejeitar a sociedade actual, tornando-nos proles, dos quais ninguém se lembra, nem importa. Sempre podemos dizer que não queremos um telefone com GPS, mas há-de chegar a altura em que será obrigatório, por lei, dispor do sistema - para efeitos de localização em caso de emergência, ou qualquer outra justificação oficial.

 

    8ª prova: A Novilíngua

    Um dos melhores processos que George Orwell encontrou para evitar que as revoluções se dessem era o de empobrecer a língua até ao ponto em que permitisse apenas exprimir coisas concretas. Se eliminarmos a palavra liberdade do vocabulário, mesmo que queiramos expressar esse sentimento não o podemos, porque não conhecemos a palavra.
    Retirando todas as palavras que possam dar azo a revoluções torna-se impossível que estas aconteçam, mesmo que toda a gente estiver descontente com o regime...
    Como definir a acção do Echelon se não souber o que é "privacidade"?

    Ao tornar o inglês a língua universal empobreceu-se o léxico. Somos capazes de pensar menos em coisas subjectivas. Apenas tomamos as coisas como nos são transmitidas. Um exemplo:

    Em português, "Sou doente, estou doente e ando doente" têm significados diferentes mas traduzem-se todos pela mesma expressão em inglês "I am sick". Há aqui uma redução drástica de significados, de variações mais ou menos subtis com a passagem para uma língua mais pobre.

    Entristece-me quando se empregam palavras estrangeiras em contextos que não as pedem, quando há palavras portuguesas com um significado senão igual mas, por vezes, mais rico. Porquê dizer interface quando se pode empregar "ligação". O significado é o mesmo... será para mostrar erudição?

 

 

    O mais grave é que nesta colonização cultural somos nós que a aceitamos, não nos foi imposta por via militar, como têm sido impostas todas as outras. Esta, a meu ver, é a mais insidiosa de todas. Caminhamos, alegremente, para um futuro de controlo total por parte de um ser infalível e indestrutível - o Big Brother.

    Apesar de todos sabermos que o actual BB é um analfabeto imbecil com chapéu de cowboy...

 

    Concluindo:

    Penso que num futuro mais ou menos próximo, caso a situação se mantenha, os Estados unidos da América irão mudar o seu lema para

"GUERRA É PAZ, LIBERDADE É ESCRAVATURA, IGNORÂNCIA É FORÇA"

 

Queluz, 26 de Janeiro de 2002

4 anos desde que, o então Presidente dos Estados Unidos da América, William Clinton declarou
"I want to say one thing to the American people.  I did not have sexual relations with that woman, Miss Lewinsky."