Biografia e notas pessoais

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Capítulo Quarto

também conhecido como A Noite do Terror,
onde se fala de balística e OVNIS

 

    Durante a nossa estada em Tróia, uma sucessão de acontecimentos (que só por si não queriam dizer nada) levou a um desfecho dramático.

    Acontece que, a altas horas da madrugada, se começaram a ouvir barulhos estranhos. Um zumbido irritante, de origem desconhecida, tomou conta do nosso acampamento. Alguns diziam ser um transformador enquanto outros fugiam, apavorados, ao pensarem tratar-se de OVNIS. Acordou-se que se devia tratar de um emissor militar pois estávamos exactamente na zona de desembarque dos exercícios da NATO - e em noite de Lua Nova...

    Tendo ouvido rumores da brutalidade com que os soldados tratavam inocentes campistas naquela praia, resolvemos montar turnos de guarda pela noite fora. Assim não seríamos apanhados desprevenidos...
    À medida que as horas se iam passando, tornou-se claro que um eventual desembarque não ocorreria nessa noite. A sentinela foi desmobilizada às 2h00m. Para além do ruído persistente e de alguns roncos bastante altos, nada mais se passou nessa noite.

    Durante o dia fomos sobrevoados, várias vezes, por um desconhecido. O seu avião aparentava ser bastante frágil, embora equipado com máquina de café e torradas. Viemos a saber que estava a fazer um voo experimental, em ultra-ligeiro, para testar um combustível novo - um tal de Virodene. Não devia ser lá grande coisa, pois o animal despenhou-se bem perto de nós, deixando uma gigantesca cratera. Podia não ser bom combustível, mas que dava um belo fogo de artifício, isso dava.
    Do piloto, nem sinal. Vaporizou-se ou conseguiu escapar e não deixou rasto algum.
    As únicas marcações do aeroplano eram as letras SA-UL. É desconhecida a sua origem, visto não estar registado em nenhum país esta sigla.
    Ao fim do dia os destroços foram recolhidos por uma série de homens vestidos de negro que, mais tarde, quiseram fazer-nos um teste à vista. Todos os meus colegas o fizeram, mas dizem não se lembrar de nada, acusando-me de inventar esta história toda. Como a tropa já tinha dito que eu via mal, achei desnecessário repetir o teste. Fui dar uma volta pela praia para espairecer um pouco enquanto os outros olhavam para uma caneta com uma luz vermelha na ponta. O teste pareceu-me bastante rápido. Porque raio fiquei eu um dia inteiro num quartel, a arrastar papéis de um lado para o outro, só para me dizerem que via mal. Podiam-me ter dito logo ao princípio e ficávamos todos despachados mais cedo...

    Na noite seguinte o ruído regressou com as melgas.

    As melgas de Tróia são os seres mais terríveis de que há memória. A população local conta que nas noites mais quentes têm de colocar pesos nas crianças porque as melgas são capazes de as levar até ao seus ninhos, para alimentar as crias. Um pescador mostrou-nos o que restou do seu barco, depois de um ataque de melgas. Ficámos aterrados. Durante toda a nossa estadia esteve sempre uma bateria anti-melga de prevenção, tendo abatido 2 esquadrões de melgas-caça e mais de um milhar de melgas-bombardeiro - reconhecíveis pelo seu ruído, semelhante ao produzido por um porta-aviões a voar baixinho.

    Voltando ao barulho. Bem que tentámos descobrir de onde vinha, mas quando se acendia uma luz desaparecia de imediato...

    Como as nossas rações de água ameaçavam ter de ser reduzidas escolheram-se voluntários para, em missão nocturna, abastecer os depósitos na vizinha cidade da Torralta.

 

    O relato desta viagem fica a cargo do chefe de pelotão Alexandre, o Grande:

    «Parrtímos parra a Torrrralta porr volta das nove e meia. A viagem decorrrreu sem incidentes. Conseguímos chegarr à cidade cerrca das dez da noite. Magnífica cidade. Não tem nada a verr com o que estamos habituados. Moderrna, cheia de luz. Lá fizémos os nossos contactos e conseguimos a água de que tanto prrecisávamos. Parrtímos em dirrecção à esplanada onde levámos a cabo a nossa missão de sabotagem, liberrtando pestilentas emissões de metano. Despistando as melgas de rreconhecimento rrumámos de volta à base.»

    Entretanto passavam-se coisas estranhas no acampamento. São descritos pelo Oficial de Dia Radical, o Bravo, que quase não mantinha a promessa de se multiplicar só em casa, com o medo que sentiu:

    «Como nada mais se ia passar de interessante, recolhi aos meus aposentos. Aí comecei a alfabetar a minha colecção de grãos de areia, que estava um pouco desordenada por causa do vento.
    Cerca de cinquenta minutos e trinta e dois segundos (atómicos, claro) depois do grupo expedicionário ter partido, comecei a ouvir ruídos estranhos no acampamento. Suspeitando que fosse uma quadrilha atrás das minhas revistas Turbo e Automagazine, armei-me de imediato. Fiquei à espera do pior. Teria de defender o acampamento com uma pinça para selos, um garfo e o telecomando da garagem.
    De repente, fez-se o silêncio total.
    Passados alguns segundos começou um bombardeamento feroz, todas as tendas iam sendo atingidas por projécteis lançados de trás da linha de árvores que circundava o acampamento. O ritmo de tiro foi aumentando até chegar aos 15.18 impactos por minuto, com um desvio-padrão de +/- 0.25. Durante uma pausa no ataque atrevi-me a observar a linha da frente.
    Mal tive tempo de me abrigar.
    Assim que pus a cabeça de fora, avistei aquilo que se me aparentava ser uma pinha de razoáveis dimensões voando, em arco, na minha direcção. Foi embater, precisamente, no local onde tinha estado alguns instantes antes. Pelo barulho que fez, estimo uma potência de 120 pinhões.»

    Interrompo o relato para dar a palavra, de novo, a Alexandre que regressava agora com o resto das forças, ignorando os graves incidentes na base.

    «Quando nos aprroximávamos do acampamento avistámos umas estrranhas luzes e objectos ao larrgo. Tomando isso como um mau sinal, aprressámos o passo. A cerrca de 100 metrros aperrcebemo-nos de que a base estava cerrcada porr pequenos homens de cinzento, com grrandes olhos, que corrrríam de um lado parra o outrro lançando grranadas contrra as nossas tendas.
    Torrnou-se imperrativo montarr rresistência aos invasorres, pelo que trratámos de contactarr as forrças ainda existentes na base. Enverrgando a nossa camuflagem nocturrna, atingimos o acampamento alguns minutos depois de o cerrco terr sido levantado. Suspeito que tenhamos sido descoberrtos. Julgámos terr perrdido o nosso Oficial de Dia, pois este não foi encontrrado no acampamento. Ao rreparrárrmos a destrruição demos com ele no meio dos escombrros, não aprresentando sinais de vida. Afinal estava a tentarr contactarr-nos porr telepatia.»

    Torno a interromper para que Radical acabe a sua descrição.

    «Quando me tornei a abrigar, resolvi barricar-me. Fechei todas as entradas da minha tenda e dispus as minhas armas. Escolhi a mais potente - o garfo, porque pica 2 vezes mais que a pinça. Preparei-me para lutar até ao fim e entrei no abrigo nuclear. Nesse momento o bombardeamento cessa definitivamente. Era a hora do assalto final.
    Decorridos longos minutos, apercebi-me de movimentações no exterior. Resolvi não revelar a minha presença. Se me queriam, que me viessem buscar!
    De súbito, a minha cobertura desabou sobre mim. Fiquei paralisado debaixo de toneladas de escombros, sem sequer poder mexer as pálpebras. Mais movimentações, desta vez mais apressadas. Algo estava a acontecer, e eu impossibilitado de saber o quê.
    Uns minutos mais tarde chegaram os reforços, desconhecendo os terríveis tormentos que sofri. Tive de aguardar até que me libertassem daquela amálgama de panos e varetas em que me encontrava...»

    Volto a ter a palavra.

    Neste momento conferenciámos longamente acerca dos acontecimentos dessa noite. Ficou decidido que partiríamos no dia seguinte.
    O ruído que nos apoquentava desapareceu.

    O Sadino sempre teve dúvidas acerca do que tinha isto, tendo sido observado a murmurar qualquer coisa como «Uma dúvida apoquenta ainda o meu espirríto irrrrequieto...»

    Nunca foram encontrados rastos dos estranhos homens de cinzento nem dos objectos por si lançados. As luzes avistadas foram, mais tarde, identificadas como barcos de pesca à lula pelas autoridades oficiais - de forma pouco convincente, diga-se.
    O estranho aparelho que nos sobrevoou e se veio a despenhar foi identificado como um balão meteorológico. Um filme que surgiu, uns anos mais tarde, mostrava o presumível ocupante a ser autopsiado. A sua autenticidade nunca foi provada nem desmentida. O "encontro de Tróia" foi considerado como mais uma prova da existência de vida extra-terrestre pelos que acreditam na história de Roswell. O Governo nega qualquer envolvimento.

 

    Aqui termina o relato da história das pinhas a voar em arco, passada na península de Tróia.

 

Queluz, 31 de Janeiro de 2002
111 anos depois da primeira tentativa de
implantação da República, no Porto.