Biografia e notas pessoais

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Capítulo Segundo

também conhecido como Aprofundamento,
onde se relatam as aventuras e desventuras
nas selvas da Rua da Escola Politécnica

 

    Num país distante, durante aturadas escavações arqueológicas, fugindo de feras terríveis, de mosquitos do tamanho de pombos, capazes de sugar o sangue de um elefante e Pókemons enraivecidos; encontraram-se vestígios de uma civilização desconhecida. Aparentemente aquelas ruínas estavam entregues à selva do Jardim Botânico da Escola Politécnica há já vários séculos.
    Quando os cientistas começaram a desaparecer, um por um, suspeitou-se de uma antiga maldição referida pelos indígenas «os cientistas desaparecerão, um por um e o culpado é o fantasma do Higienista!» Afinal tinham ido todos almoçar porque a fome já apertava...

    Voltando ao que interessa. No meio de todos os objectos encontrados destacava-se um magnífico teodolito. Posteriores investigações concluiram que tinha lá sido abandonado por uma das anteriores expedições à Selva da Politécnica. Parece que o anterior dono tinha sido agredido por uma pinha gigante e passara a julgar ser o Bou-Bou (infame personagem da série DragonBall), percorrendo a selva em busca de fotocópias.
    De entre os materais recuperados num saco de plástico, identificado como «Desmaterializador» - uma prova de que esta civilização era muito mais avançada que a nossa - encontrava-se um ídolo, representando uma alta sacerdotisa que empunhava uma mira de invar (!?!?). Julga-se que faria parte de um qualquer rito da fertilidade masculino pois vinha acompanhado de instruções de como montar um distanciómetro.
    Eu próprio fiz parte da última missão cartográfica do Jardim Botânico, onde consegui perceber que os ângulos mais próximos do recto têm efeitos deveras hilariantes (se quiserem saber porquê, perguntem!).

    Traduzindo as inscrições encontradas nas paredes do templo principal, conhecido pela comunidade indígena como «Anexo do Observatório» encontramos um relato de grande parte das aventuras protagonizadas por mim, MigMac, Borboto-man e a Criatura Sadina - o Elo Perdido (devido a ter duas mãos no sítio habitual e duas outras onde se deviam encontrar os pés). Entre elas há menção a visadas nocturnas assistidas por fósforos e retroprojectores estrategicamente colocados.

    Em posteriores missões de desbravamento das matas cerradas da Politécnica foram encontrados estranhos vestígios de umas folhas que eram enviadas de mês a mês para o Instituto de Investigacão Científica Tropical. O Chefe da missão, o Prof. Frias de Barros - uma personagem tirada dos livros - esclareceu-nos. Afinal, agora, estão lá numa tal de Internet, onde ninguém chega.
    Ao fim de vários meses perdidos naquela temível floresta tropical, infestada de canibais e passarinhos Ui-ui (uns passarocos com uma bela plumagem fulva, longas caudas e bicos doirados que gritam «ui, ui» quando aterram - à conta de patas de 5 cm e tomates de meio quilo), conseguimos avistar estrelas. Foi assim que aprendi a não fazer observações astronómicas na época das chuvas...

    Depois de determinado um azimute para um hotel de 5 estrelas partimos em direcção a outra cúpula. As nossas magníficas montadas mostraram-se incapazes de vencer os desníveis que se nos apresentaram pela frente. Levámos uma eternidade para conseguir chegar ao topo daquela escada em caracol bafienta. Chegados lá acima, senti uma inspiração divina e exclamei «Faça-se luz!». Nesse preciso momento, enquanto um ganso morria de ataque cardíaco sobre o Báltico e caía no Kursk, afundando-o; alguém deu ao interruptor e fez-se luz - a profecia dos três sábios estava correcta, eu era o Escolhido.
Foi nesse instante que me apercebi da minha divindade. Sentia-me inspirado e resolvi criar a Terra e o Céu e o resto das coisas, mas como era um trabalho para seis dias e só tinha umas horas para fazer as observações pus de parte estes planos... um dia destes ainda volto a pensar nisso. Entretanto, devido a condições atmosféricas adversas e a necessidade de levar o nosso mentor à Porcalhota, um lugarejo perto da fronteira com a Província Ultramarina da Damaia antes da
meia-noite - ou transformava-se numa abóbora - foi-nos impossível determinar a longitude do local da Revelação. E nunca mais demos com o lugar de novo.
    Para a História fica a magnífica iluminura onde se representa o momento em que me apercebi da minha divindade e resolvi não criar o mundo porque dava muito trabalho. Consegui sacar um 17, no entanto.

    No regresso à civilização escalámos penhascos a que os nativos chamavam de escadas. Várias vezes estivémos para nos precipitar no vazio, quando a frágil saliência onde nos deslocávamos se inclinava e rangia, a caminho da cúpula Sul.

    Depois de graves problemas logísticos (níveis avariados, portas encravadas) lá conseguimos fazer um ponto de latitude.

    Foi neste ponto que reconheci ser detentor de mais uma capacidade sobre-humana. Depois de um aturado estudo de um saco anteriormente referido, que era feito de plástico - um material notavelmente avançado para a sua época (datado do Séc. IV D.C.) - tornei-me o mais recente possuidor do poder da desmaterialização. Parti em viagem, atravessando paredes, montes e vales, não mais me preocupando com os precipícios ou as correntes furiosas que se atravessavam no meu caminho e que impediriam a travessia ao comum dos mortais, e achei-me fora da selva, com as Astronomias Geodésicas e Topografias feitas.
    As paredes foram atravessadas usando um magnífico invento, fruto da engenhosa imaginação dos nativos - a porta!

    Desde que foram encontradas imagens de cultos idólatras nas ruínas do Templo que se considerou aquela selva como maldita; local de encantamentos mil, capazes de levar os estudantes à tentação de observar o crescimento das plantas à sua volta, distraíndo-se da sua missão de pagar propinas e calar.
    A descoberta do estado de ruína das instalações apenas veio atrasar a investigação científica, pois foram canceladas diversas missões de recolha e estudo das maravilhosas colónias de fungos e bolores existentes nas salas de aula. Empiricamente mostrou-se que, entre aquelas espécies desconhecidas, haveria fungos com propriedades alucinogéneas. Faz parte da memória colectiva ouvir-se pelos corredores uma voz que sussurrava «Rrrróda, rrróda o eiixú... em torno d'elipsssse...», acompanhada de abundantes excreções nasais, certamente devidas a uma excessiva avidez na inalação dos referidos bolores.

    Suspeita-se que a maioria das inalações destes fungos seria involuntária, mas podia ter efeitos secundários mais ou menos graves, que incluíam a incapacidade de distinguir direcções zenitais de rumos ou o irritante hábito de começar as frases com um puxão pela manga por parte de alguns colegas.

    Um dos nossos colegas (João, o cabeça de borboto) ficou marcado para a vida. Respirou fundo quando descia as escadas e o musgo envolveu-lhe o cérebro. Devido às condições propícias do micro-clima onde vive (Sintra), o musgo desenvolveu-se e ganhou consciência. Desde essa altura que o corpo do João é controlado por uma entidade vegetal que o faz ter grande apetência por meios aquáticos - o que explica o facto de já ter ser visto várias vezes com uma bilha de 15 litros às costas, à procura de poças onde mergulhar.
    Esta cabeça-de-musgo entrará para a História como o menos conhecido guerrilheiro trotskista do Mundo, apesar de apresentar grandes semelhanças físicas com o antigo líder da Aliança do Norte - o Comandante Massoud.


    Julga-se que em tempos remotos, os alunos do Colégio dos Nobres tenham usado estas espécies raras para misturar com tabaco enquanto se reuniam em torno de D'jambés, a altas horas da madrugada... os seus fantasmas assombram, agora, a Serra de Sintra.

    Enfim, o Mundo Perdido tem agora paradeiro desconhecido...

 

Queluz, 30 de Janeiro de 2002
226 anos depois de reconhecidos os
direitos de Portugal sobre Cabinda.